Um jornalista do Público espiado pelos serviços secretos
Repórteres sem Fronteiras está escandalizada pela reportagem publicada pelo semanário Expresso, a 27 de Agosto de 2011, que revela que dirigentes do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED, os serviços secretos no exterior) teriam tido acesso de forma ilegal aos registos telefónicos do jornalista Nuno Simas. O SIED procurava assim apurar a identidade das pessoas citadas num artigo publicado pelo diário Público, a 7 de Agosto de 2010, no qual Nuno Simas descrevia o clima de tensão no seio do SIED e entre este organismo e o Serviço de Informações e Segurança (SIS, os serviços secretos internos). O Expresso publicou cópias dos documentos enviados a Jorge Silva Carvalho, director do SIED em 2010, onde se encontra uma lista detalhada de todas as chamadas e mensagens de texto realizadas por Nuno Simas entre os dias 19 de Julho e 12 de Agosto de 2010. Contactado pelo semanário, o jornalista, que abandonou o Público no passado mês de Julho, confirmou que a lista corresponde fielmente às suas actividades telefónicas no decorrer do período em questão. A direcção do Público apresentou queixa contra incertos por violação de dados privados.
Denunciamos energicamente a actuação mais do que duvidosa do SIED e do seu ex-director, que atenta seriamente não só contra a vida privada de Nuno Simas mas também contra o direito legítimo de todos os jornalistas a proteger as suas fontes de informação. O SIED vem assim ensombrar o panorama já por si bastante inquietante da liberdade de imprensa em Portugal. A investigação publicada por Nuno Simas em Agosto de 2010 era claramente de interesse público e os serviços de informação internos e no exterior deveriam esforçar-se por encontrar uma solução definitiva às tensões que os afectam em vez de tentar identificar as pessoas que legitimamente alertam sobre essa situação.
Ainda de acordo com o Expresso, os registos telefónicos de Nuno Simas teriam sido transmitidos a Jorge Silva Carvalho por um director operacional do SIED, entretanto demitido por ter alegadamente passado informações a Jorge Silva Carvalho já depois de este ter abandonado a entidade. O funcionário terá contado igualmente com a colaboração de alguém no interior da Optimus, a companhia telefónica do jornalista, que é propriedade dos mesmos donos do Público. As acções de espionagem parecem ter sido levadas a cabo de forma oficiosa, já que os ficheiros internos do SIED não dão conta de um tal procedimento.
Saudamos a abertura de um inquérito pela Procuradoria Geral da República. Porém, exigimos que este tenha seguimento e que sejam utilizados todos os meios ao alcance da justiça de forma a identificar o conjunto dos actores implicados neste episódio, incluindo os altos cargos hierárquicos que manifestamente desempenharam um papel activo no caso. Os serviços de informação são organismos oficiais que não podem fugir ao controle do Estado. Jorge Silva Carvalho deve imperativamente ser interrogado sobre estas actividades.
Solicitamos igualmente à direcção da companhia Optimus a abertura de um inquérito de forma a identificar as pessoas que, directa ou indirectamente, forneceram ao SIED os dados privados de Nuno Simas. A Optimus não está autorizada a divulgar os registos privados dos seus clientes a terceiros sem a sua anuência prévia ou sem a intervenção de uma ordem judicial que, nesta ocasião, claramente não existiu. Os serviços de informação não são os únicos culpados neste caso e todos os intervenientes devem assumir as suas responsabilidades.
O Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, considerou o caso como “muito grave” e pediu ao secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa, o organismo que tutela o conjunto dos serviços secretos, a abertura de uma investigação interna sobre as acções ilegais reveladas pelo Expresso.