O golpe militar de 1o de fevereiro de 2021 encerrou brutalmente o frágil impulso para a liberdade de imprensa que havia germinado após a dissolução da junta militar anterior, em 2011.
Cenário midiático
O cenário da mídia em Mianmar foi profundamente alterado pelo golpe de 2021. A junta militar publicou de imediato uma lista negra de veículos de comunicação proibidos por causa de sua liberdade editorial, incluindo o Democratic Voice of Burma. Com uma atuação histórica na luta pela liberdade de imprensa no país, o jornal teve que voltar a adotar as técnicas de reportagem clandestina, desenvolvidas durante as décadas anteriores à ditadura, para continuar obtendo informação confiável dentro do país. Esses meios de comunicação desempenham um papel fundamental na transmissão de informações confiáveis para o resto do mundo. A mídia controlada pelo governo, por outro lado, é uma torneira de propaganda que recebe pouca atenção da população. Entre esses dois extremos, um punhado de meios de comunicação sobrevive em uma linha tênue entre a tentativa de informar seus concidadãos e a necessidade de não ofender os generais.
Contexto político
O Conselho Administrativo de Estado (CAE) não tolera nenhuma narrativa diferente da sua. Para isso, restabeleceu o regime de censura prévia e impede os meios de comunicação de cobrir as inúmeras violações de direitos humanos pelas quais é responsável. À frente da junta militar, o general Min Aung Hlaing promove abertamente uma política de terror contra jornalistas que não seguem sua linha.
Quadro jurídico
Para além da arbitrariedade, a que recorrem sem reservas, os generais invocam de maneira quase sistemática o artigo 505(a) do Código Penal, texto muito vago que pune com três anos de prisão a divulgação de “informações falsas”. Outro arcaísmo jurídico, o artigo 66(d) da Lei de Telecomunicações criminaliza a difamação e pode ser usado para mandar um jornalista para a prisão caso alguém conteste o que ele escreveu.
Contexto económico
Antes do golpe, o modelo econômico da mídia privada já era frágil. O jornalismo investigativo, promovido por sites de informação como Mianmar Now e Mizzima, contava com relativamente poucos leitores. O golpe redistribuiu as cartas, com uma imprensa oficial que ocupa todas as bancas e emissoras de rádio, e uma imprensa independente reduzida à clandestinidade – e, portanto, com meios de financiamento ainda mais incertos. No início de 2022, a junta implementou um novo sistema de tributação dos serviços de internet, começando com os impostos sobre os cartões SIM, medida cujo único objetivo é impedir que a população obtenha e troque informações online.
Contexto sociocultural
Antes do golpe de 2021, no governo de Aung San Suu Kyi, o clima no que dizia respeito à liberdade de imprensa já era difícil, com a persistência de assuntos considerados tabus, como os referentes às minorias étnicas. Prova disso foi o duro golpe desferido em 2018 contra dois jornalistas da Reuters que investigavam um massacre de civis rohingya. Eles foram condenados em um arremedo de processo judicial e por fim perdoados e libertados depois de passar mais de 500 dias na prisão. Esse acontecimento serviu de alerta para todos os jornalistas, que entenderam que era preciso pensar duas vezes antes de publicar qualquer reportagem que pudesse incomodar o “Tatmadaw”, como são conhecidas as forças militares de Mianmar. Esse caso foi acompanhado por uma onda de informações falsas e discursos de ódio no Facebook, cuja falta de regulamentação de conteúdo vem tendo consequências desastrosas para o debate público.
Segurança
Tortura, prisão, assassinato – a profissão de jornalista é extremamente perigosa em Mianmar, que se tornou a segunda maior prisão para jornalistas do mundo, atrás apenas da China, e, relativamente à sua população, é de longe o país que mais aprisiona jornalistas. Os raros testemunhos que chegam das prisões de Mianmar revelam condições de detenção extremamente severas e uso sistemático da tortura. Em alguns casos, esses abusos provocam a morte de jornalistas, que passam a engrossar a longa lista de assassinados pela junta.