Telefones utilizados pelo diário Folha de São Paulo têm sigilo quebrado: o “escândalo do dossiê” atenta contra a liberdade de imprensa
Repórteres sem Fronteiras condena a escuta telefônica de linhas utilizadas pelo diário Folha de São Paulo em sua sucursal de Brasília, sobre a qual o jornal tomou conhecimento no dia 8 de novembro de 2006. É a segunda vez num período de 10 dias que as autoridades federais tentam obter dos jornalistas as fontes utilizadas pelos mesmos durante o trabalho de apuração do mais recente escândalo eleitoral.
Repórteres sem Fronteiras condena a escuta telefônica de linhas utilizadas por jornalistas do diário Folha de São Paulo, realizada pela Polícia Federal e revelada no dia 8 de novembro. A organização avalia que o direito constitucional garantido aos jornalistas de protegerem suas fontes foi usurpado. Constata ainda que, pela segunda vez no período de dez dias, o “escândalo do dossier”, que atingiu a campanha pela reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, resulta em novos abusos contra a liberdade de imprensa.
“Depois de tentativas de intimidação contra três jornalistas da revista Veja (ver Comunicado), as autoridades federais mais uma vez abusam de seu poder para obrigar jornalistas a revelar suas fontes de informação, ligadas ao escândalo que envolveu pessoas próximas do presidente da república. Quem realmente acreditaria que colocar jornalistas sob escuta telefônica ajuda a proteger o poder? O direito dos jornalistas de sigilo de fonte está assegurado na constituição federal e na Declaração de Chapultepec sobre a liberdade de expressão, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 3 de maio de 2006. Por meio deste, solicitamos que o juiz que autorizou a escuta reconsidere sua decisão”, disse Repórteres sem Fronteiras.
O diário Folha de São Paulo tomou conhecimento, no dia 8 de novembro, que duas linhas telefônicas - uma fixa e uma outra de um celular - de sua sucursal de Brasília, instaladas nas dependências da Câmara dos Deputados , foram objeto de escuta telefônica por parte da Polícia Federal no período de 1º de agosto a 29 de setembro de 2006. Os dois números foram incluídos, com a autorização de um juiz, numa lista de 168 linhas que foram colocadas sob escuta dentro do processo de investigação do “escândalo do dossiê”.
Durante a campanha eleitoral, membros do partido dos Trabalhadores (PT, partido do presidente reeleito, Lula) estiveram envolvidos numa tentativa de compra de um falso dossiê, com o objetivo de comprometer o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB, do qual faz parte o candidato derrotado por Lula, Geraldo Alckmin). Um intermediário do PT, membro do comitê de campanha de Lula, Gedimar Passos, foi detido, no dia 15 de setembro, num hotel de São Paulo, de posse de R$ 1,7 milhões (cerca de 600 mil euros).
Os policiais encarregados da investigação sobre o escândalo alegam que a escuta telefônica foi solicitada devido à necessidade de acompanhar todas as ligações feitas e recebidas por Gedimar Passos. O delegado Diógenes Curado disse, num primeiro momento, que ignorava que as duas linhas fossem utilizadas pelo jornal. Em seguida, revelou que Folha foi o único veículo de imprensa que fez contato com Gedimar Passos. Segundo comunicado da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), no entanto, a revista Veja teria, dois dias antes, feito contato com Passos. No dia 31 de outubro, em São Paulo, a polícia convocou para depor três jornalistas da revista, na tentativa de obter os nomes de quem teria repassado as informações sobre o escândalo publicadas por Veja.
Denunciada pelas associações de jornalistas, a escuta telefônica do jornal acontece dois anos após uma outra, ocorrida no Estado do Espírito Santo (região Sudeste), desta vez envolvendo o diário A Gazeta, durante trabalho de apuração sobre os motivos que teriam provocado o assassinato de um juiz naquele estado.