“O nosso país deve ser mais firme com os mafiosos que intimidam os jornalistas”: testemunho de um jornalista agredido devido a artigos sobre o narcotráfico
No dia 15 de Maio de 2010, o director e proprietário do semanário Diário de Bissau, João de Barros, foi agredido nas instalações do seu jornal por um empresário próximo dos narcotraficantes. Antes de abandonar o local, o agressor, acompanhado pelo seu motorista, danificou o conjunto do material informático da sala de redacção da publicação.
Dias depois do incidente, Repórteres sem Fronteiras publica o testemunho deste pioneiro da imprensa independente em Bissau, no qual descreve o desenrolar dos acontecimentos.
“A agressão de que foi vítima João de Barros não é um acto isolado e insignificante. É a mais recente manifestação dos tabus que afectam a imprensa local e do clima asfixiante em que os jornalistas desta antiga colónia portuguesa exercem a sua profissão. Os poucos jornalistas que violam a lei do silêncio e se atrevem a denunciar os narcotraficantes e os seus cúmplices, sejam eles civis ou militares, expõem-se a sérias represálias, ainda para mais num ambiente de total impunidade. Pedimos às autoridades guineenses que persigam os autores deste acto de violência”, declarou Repórteres sem Fronteiras, recordando que pelo menos dois jornalistas foram obrigados a sair do país em 2009, aos quais se juntou outro já em 2010.
Em Novembro de 2007, num relatório de missão intitulado “Cocaína e golpe de Estado: fantasmas de uma nação amordaçada”, que analisava as ameaças permanentes infligidas aos jornalistas da Guiné-Bissau pelos narcotraficantes e os seus cúmplices, Repórteres sem Fronteiras solicitara às forças armadas guineenses a máxima vigilância para que os autores de ameaças e de actos de intimidação fossem identificados e punidos. Este pedido não foi acompanhado por medidas eficazes.
A agressão e destruição das instalações
A 15 de Maio, recebi um telefonema do empresário Armando Dias Gomes, informando-me de que estava à minha espera nas instalações do meu jornal.
Não contava passar pelo escritório nesse dia, mas acabei por decidir lá ir. Quando abri a porta, vi o empresário acompanhado pelo seu motorista. Começou de imediato a insultar-me e a dirigir-me ameaças de morte. Dois dos jornalistas com os quais trabalho diariamente, que também estavam presentes, foram igualmente insultados e ameaçados.
Sei que a agressão se deve à publicação no meu jornal de uma série de artigos sobre o narcotráfico na Guiné-Bissau. O último, da autoria do jornalista Adulai Indjai, parece ter provocado a ira do empresário. Intitulado “Guiné-Bissau, o suposto Narco-Estado”, este trabalho de investigação debruçava-se sobre as vítimas directas dos narcotraficantes no nosso país, embora sem citar nomes.
Armando Dias Gomes, que é um amigo chegado dos narcotraficantes, explicou-me que se sentia visado pelo artigo e que não queria voltar a ler no meu jornal informações sobre os narcotraficantes e as actividades a que estes se dedicam.
Foi então que nos envolvemos fisicamente. Não fiquei ferido, mas tenho uma marca no pescoço porque os agressores tentaram estrangular-me. Também atacaram violentamente o material da redacção. Deitaram ao chão uma dezena de computadores, os discos duros e a impressora que utilizo para o funcionamento do jornal. A minha empresa está paralisada e não podemos trabalhar.
O futuro do jornal
Prefiro fazer de conta que não aconteceu nada. Não vou fazer caso desta agressão. Há vinte anos que sofro ameaças por parte dos políticos deste país. Dois dos meus jornais, O Expresso Bissau e O Correio da Guiné-Bissau, foram encerrados nos anos 90 por razões políticas. Já apresentei queixa contra o empresário e estou à espera do julgamento. Os meus dois agressores foram detidos durante nove horas pela Polícia Judiciária de Bissau, mas depois infelizmente foram soltos, suponho que devido à pressão dos narcotraficantes.
Agora o que mais desejo é substituir o mais depressa possível o equipamento informático para poder retomar a impressão e a publicação do meu jornal.
Aproveito esta entrevista para lembrar que o nosso país deve ser mais firme com os grupos de mafiosos que tentam intimidar os jornalistas. A justiça e o poder político têm que ser mais severos a fim de colocar um ponto final à impunidade de que gozam os cúmplices dos narcotraficantes na Guiné-Bissau.