“Devemos impor obrigações democráticas aos principais atores do mercado digital”
Na esteira da decisão do Twitter de suspender permanentemente as contas do presidente Donald Trump, a Repórteres sem Fronteiras apresenta soluções para evitar que os gigantes da tecnologia retenham o poder de decidir, a seu critério, pelo encerramento de perfis nas redes sociais.
Depois de fazer vista grossa para a desinformação e os discursos de ódio postados por Trump durante seus quatro anos de mandato, o Twitter decidiu de forma unilateral, em 8 de janeiro, suspender definitivamente a conta @realDonaldTrump do presidente dos EUA e, alguns dias depois, fazer o mesmo com as contas de 70 mil pessoas ligadas ao movimento pró-Trump QAnon. Facebook, Instagram e Twitch também suspenderam as contas presidenciais por tempo indeterminado, enquanto a Amazon excluiu o Parler, a rede social pró-Trump. Todas essas decisões foram tomadas por empresas privadas, sem que houvesse qualquer controle democrático ou judicial.
“Estamos vivendo uma distopia política, preocupa-se o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire. Até então, as leis do espaço público eram estabelecidas pelos parlamentos e aplicadas por juízes. Agora, empresas do setor privado estão no comando. Porém, suas normas não são definidas num arcabouço democrático, com seus freios e contrapesos, não são transparentes, nem suscetíveis a recursos judiciais. A organização do espaço público digital não pode ser baseada em uma lógica comercial ou discricionária. Devemos impor obrigações democráticas aos principais atores do mercado digital."
Propostas concretas
Na Europa, o Digital Services Act (DSA), que visa regulamentar o conteúdo publicado nas plataformas e que foi apresentado em dezembro de 2020 pelo comissário europeu Thierry Breton, propõe avanços notáveis. Muitas outras iniciativas legislativas também estão em discussão, como a revisão da Seção 230 nos Estados Unidos, a Online Harms Bill no Reino Unido e a Digital Charter no Canadá. No entanto, até agora, nenhuma legislação responde a todos os desafios postos pelo espaço público digital.
Para propor garantias democráticas à arena digital, a RSF lançou a iniciativa sobre informação e democracia:
• Escrita por uma Comissão de 25 personalidades de 18 nacionalidades, a Comissão de Informação e Democracia redigiu uma Declaração Solene que estabelece os princípios gerais do espaço global de informação e comunicação (transparência dos algoritmos, pluralismo, neutralidade ideológica das plataformas, proibição de conflitos de interesses, e promoção de notícias e informações confiáveis).
• Essa Declaração inspirou a Parceria para Informação e Democracia, lançada paralelamente à Assembleia Geral das Nações Unidas em 2019 e agora assinada por 38 Estados.
• O Fórum de Informação e Democracia foi criado em novembro de 2019 por iniciativa de 11 organizações, centros de pesquisa e think tanks de todos os continentes. Em novembro passado, essa estrutura publicou um conjunto de 250 recomendações sobre transparência das plataformas, moderação de conteúdos, promoção da confiabilidade da informação e sobre aplicativos de mensagens privadas, quando sua utilização massiva ultrapassa a lógica da correspondência privada.
• A RSF também está por trás da Journalism Trust Initiative (JTI), que está produzindo um dispositivo concreto para favorecer, na indexação algorítmica, os meios de comunicação que implementam métodos profissionais e que respeitam regras éticas. Essa iniciativa de autorregulação, baseada em um processo colaborativo sob a égide do Comitê Europeu de Normalização, também poderia ser utilizada por anunciantes.
Mudança sistêmica
Numa arena de notícias e informações da qual os intermediários foram eliminados, políticos, celebridades, corporações, grupos religiosos e outros atores podem se dirigir ao público diretamente, sem precisar prestar contas por quaisquer padrões éticos, enquanto a mídia mantém todas as suas obrigações neste sentido. Mas a suspensão das contas de Donald Trump destacou a questão crucial das contas mais poderosas.
Em uma coluna publicada na França no diário Le Figaro, em 12 de janeiro de 2021, o secretário-geral da RSF, Christophe Deloire, também presidente do Fórum de Informação e Democracia, afirma que as contas que ultrapassem determinados patamares de audiência (direta ou indireta) deveriam ser sujeitas a procedimentos e obrigações adequadas ao seu público, de acordo com os princípios gerais do direito. As empresas privadas não devem ter poderes para decidir sozinhas o destino dessas contas, agindo sem controle ou transparência.