Brasil: RSF repudia assédio judicial contra jornalistas da Gazeta do Povo
Dezenas de juízes do Paraná entraram com ações individuais contra jornalistas e profissionais do Jornal Gazeta do Povo logo após a publicação de uma reportagem, em fevereiro desse ano, sobre os altos salários do judiciário no estado. A RSF repudia o que aparenta ser uma ação coordenada de processos judiciais, que intimida a imprensa e atenta contra a liberdade de informação no país.
Em fevereiro de 2016, a Gazeta do Povo publicou uma série de reportagens sobre “supersalários”, repercutindo o debate entorno do teto constitucional na remuneração de funcionários públicos. De acordo com uma das matérias, o rendimento médio de juízes e membros do Ministério Público no estado do Paraná, incluindo auxílios, indenizações e pagamentos retroativos, superou em mais de 20% esse limite em 2015. Desde então, dezenas de juízes e alguns promotores que se sentiram ofendidos pela reportagem abriram, até o momento, 37 ações individuais contra os jornalistas Chico Marés, Euclides Lucas Garcia e Rogério Galindo, o analista de sistemas Evandro Balmant e o infografista Guilherme Storck.
Os processos foram abertos em diferentes juizados especiais, espalhados por pelo menos 15 cidades do Paraná. Como são obrigados a comparecer a cada audiência, os cinco profissionais já percorreram 6.300 quilômetros por todo o estado. Somadas, as ações chegam a R$ 1,4 milhão em indenizações.
A suspeita é que a ação tenha sido coordenada. Segundo o diretor de Redação da Gazeta do Povo, Leonardo Mendes, o teor das ações é praticamente idêntico e responde a um modelo de ação que obriga os profissionais a irem a todas as audiências em dias sequenciais. O vazamento de um áudio do presidente da Associação dos Magistrados Paranaense (AMAPAR), Frederico Mendes, gravado na manhã seguinte à publicação da reportagem, reforça essa suspeita. Sobre o caso, Frederico Mendes afirma no áudio que a associação está providenciando um modelo para que os juízes possam entrar com ações individuais contra o jornal.
A Repórteres sem Fronteiras repudia o que aparenta ser uma ação coordenada que visa repreender, intimidar e silenciar a imprensa, declarou Emmanuel Colombié, diretor do Escritório América Latina da organização. Ao se abusar do recurso legítimo à reparação judicial por difamação, esse direito transforma-se em um instrumento de perseguição, assumindo contornos de censura e atenta contra a liberdade de informação
Apesar do jornal garantir que não houve erros na apuração da reportagem e de que todos os dados utilizados foram coletados em portais de transparência do Ministério Público e do Tribunal de Justiça, a Gazeta do Povo publicou um editorial lamentando que “as referidas matérias tenham causado desconforto” e cedeu uma página inteira como direito de resposta aos magistrados e promotores. Ainda assim, as ações continuaram se multiplicando.
A Gazeta do Povo fez um pedido de liminar ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que os casos fossem tocados fora do Paraná, visto que se trata da magistratura do estado julgando uma questão que diz respeito à mesma magistratura. Porém o pedido foi negado pela ministra Rosa Weber. O jornal recorreu.
O Brasil se encontra na 104a posição, de 180 países, no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa publicado pela RSF em 2016.