Ano funesto chega ao fim com dois casos ilustrativos
A insegurança e a censura local dominaram as notícias sobre a liberdade de informar no Brasil em 2012. Repórteres sem Fronteiras aborda precisamente essa situação em seu relatório anual e voltará ao tema em janeiro de 2013 em outro relatório, fruto da missão levada a cabo no país no passado mês de novembro. A organização expressa novamente sua preocupação a propósito de dois casos representativos dos obstáculos que atualmente obstruem a atividade dos jornalistas.
O primeiro caso diz respeito ao diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Mauri König, funcionário do diário Gazeta do Povo, em Curitiba, capital do estado do Paraná. Eminente especialista do crime organizado, o jornalista e sua família foram alvo de ameaças de morte gravíssimas através de chamadas telefónicas recebidas por colegas seus a 17 de dezembro de 2012. Uma delas advertia da chegada de cinco policiais militares provenientes do Rio de Janeiro, no intuito de disparar contra a casa de Mauri König.
Estas ameaças – que também foram dirigidas a dois responsáveis da direção do jornal – surgiram após a publicação de uma investigação coordenada por Mauri König sobre abusos da polícia na região. No passado mês de maio, o jornalista já havia denunciado, numa série de reportagens, o comportamento de alguns policiais locais, que se deslocavam a bordéis em seu veículo oficial durante o horário de expediente.
Colocado sob proteção, facultada por seu empregador, e refugiado com sua família num local secreto, Mauri König abandonará em breve o Paraná. A 18 de dezembro, o chefe do Grupo de Ação Especial de Repressão ao Crime Organizado (GAECO) do Paraná, Leonir Batisti, garantiu que os números de telefone dos autores das ameaças já haviam sido identificados. Repórteres sem Fronteiras deseja expressar seu apoio a Mauri König e à Abraji, solicitando às instituições policiais envolvidas no caso que colaborem plenamente com a investigação. Por uma triste ironia, a partida de Mauri König coincide com o regresso, após três meses de exílio, do jornalista da Folha de São Paulo André Caramante, vítima, em setembro passado, de uma campanha de ódio e de intimidação, também ela proveniente da polícia.
Espantosa censura
Repórteres sem Fronteiras já por várias vezes denunciou as ordens de censura impostas contra jornalistas e blogueiros por jurisdições locais, muito dependentes do poder político. O caráter absurdo e injusto dessas medidas transparece novamente na dupla ação, civil e criminal, iniciada pelo desembargador do estado de Sergipe, Edson Ulisses de Melo, contra o jornalista José Cristian Góes. Este último publicara no seu blogue Infonet, no passado mês de maio, uma coluna em estilo literário zombando do nepotismo e da corrupção de políticos locais.
O desembargador decidiu ver nesse texto de ficção – que não menciona nomes nem datas – declarações injuriosas e difamatórias contra seu próprio cunhado e governador do estado, Marcelo Deda, que em nenhum momento interpôs queixa. José Cristian Góes pode ser condenado a uma pena de quatro anos de prisão e a uma onerosa indenização por danos morais, para além de 25 mil reais (9000 euros) de despesas judiciais.
“Esta ação mais não é do que um excesso de zelo de um desembargador cujo único motivo parece ser agradar a seu cunhado e governador, que o nomeou para o cargo. Pedimos solenemente a Edson Ulisses de Melo que abandone esse processo contra José Cristian Góes. O jornalista pode contar com nosso apoio para se opor a essa injustiça”, declarou Repórteres sem Fronteiras.