As acusações contra o jornalista Glenn Greenwald no Brasil ameaçam a liberdade de imprensa e constituem retaliação desproporcional contra o jornalismo investigativo
O Ministério Público Federal (MPF) acusou formalmente o jornalista estadunidense Glenn Greenwald de ter auxiliado, orientado e incentivado a ação de um grupo no hackeamento de contas de aplicativos de mensagens de diversas autoridades no país. A RSF condena estas acusações injustificáveis que se assemelham a uma retaliação.
Sete pessoas foram denunciadas pelo MPF ontem, terça-feira 21 de janeiro, como parte da investigação que apura invasão de equipamentos de comunicação e interceptação ilegal de comunicações envolvendo diversas autoridades no país. O jornalista estadunidense Glenn Greenwald, residente no Brasil e fundador do site The Intercept Brasil, está entre os acusados.
O procurador federal Wellington Divino Marques de Oliveira afirma que o jornalista “auxiliou, orientou e incentivou” um dos envolvidos no hackeamento de aplicativos de mensagens a apagar arquivos “para dificultar as investigações e reduzir a possibilidade de responsabilização penal”. A acusação tem como base uma troca de mensagens entre o jornalista e um dos acusados, obtida pela polícia em um computador apreendido.
A conversa transcrita na denúncia já havia sido anteriormente analisada pela Polícia Federal, que apresentou um relatório em dezembro de 2019 no qual afirma que o jornalista havia mantido “uma postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões”. Em agosto de 2019, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes emitiu decisão na qual proibiu autoridades públicas de praticarem atos que visem à responsabilização do jornalista Glenn Greenwald no caso, ao considerar que violavam a proteção do sigilo constitucional da fonte jornalística.
“As acusações apresentadas contra o jornalista Glenn Greenwald são absurdas, injustificáveis e vão de encontro a posições anteriores de outras autoridades sobre o caso, denuncia o escritório para a América Latina da Repórteres sem Fronteiras. O procurador se baseia em conversas nas quais o jornalista demonstra preocupação com a sua obrigação ética de preservar o anonimato da fonte, como teria feito qualquer profissional. Estas acusações se assemelham a uma retaliação desproporcional contra o trabalho da equipe do The Intercept Brasil e devem ser abandonadas imediatamente.”
Em junho de 2019, o The Intercept Brasil começou a publicar uma série de reportagens que revelaram graves irregularidades ocorridas durante a operação Lava Jato. A investigação do The Intercept Brasil tornou público uma série de mensagens privadas trocadas entre diversos procuradores e membros do poder judiciário, entre outras autoridades, obtidas por uma fonte anônima que contactou Glenn Greenwald. As reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil revelam uma colaboração irregular do ex-juiz e atual ministro da justiça, Sérgio Moro, com o procurador Deltan Dallagnol e a força-tarefa da operação Lava Jato durante a investigação.
As publicações do The Intercept Brasil desencadearam uma enxurrada de ataques contra o jornalista Glenn Greenwald, assim como contra sua família e colegas de trabalho. Em 27 de julho de 2019, Bolsonaro chegou a afirmar que o jornalista 'talvez pegue uma cana aqui no Brasil'.
O Brasil se encontra na 105a posição, entre 180 países, no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2019, elaborado anualmente pela Repórteres sem Fronteiras.