Um ano depois, o assassinato de Dom Phillips permanece impune: RSF denuncia lentidão da justiça brasileira

No aniversário de morte do jornalista britânico Dom Phillips, data também do Dia Internacional do Meio Ambiente, a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) cobra respostas concretas do Estado brasileiro sobre o assassinato de um jornalista especialista em questões ambientais, morto em serviço.

No dia 5 de junho de 2022, desapareceram o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira, vítimas de uma emboscada no rio Itacoaí, limite do território indígena do Vale do Javari no Estado do Amazonas no Brasil. Dez dias depois, seus corpos foram encontrados desmembrados, queimados e escondidos na floresta.  

Os autores do crime e seu mandante foram rapidamente identificados pela Polícia Federal, mas dos 12 suspeitos de participação no crime, nenhum ainda foi condenado. O processo judicial é marcado por atrasos. Inclusive, recentemente voltou a uma fase anterior: no dia 16 de maio, a pedido da defesa dos réus pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal, o Tribunal Regional Federal (TRF1) decidiu retornar à fase de inquérito, para ouvir novas testemunhas.

O jornalismo desempenha um papel essencial na defesa do meio ambiente. Na Amazônia brasileira, os jornalistas locais trabalham em condições de extrema insegurança. Justiça plena deve ser feita no caso de Dom Phillips e Bruno Pereira. A rápida resolução do caso passaria a mensagem clara de que não haverá impunidade para aqueles que continuam explorando ilegalmente os recursos da região, e que os jornalistas podem contar com o apoio da Justiça para informar a sociedade brasileira e o mundo sobre os crimes ambientais cometidos na Amazônia.”

Artur Romeu
Diretor do escritório da RSF para a América Latina

Desde esse assassinato, o Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia, uma iniciativa da RSF, identificou 62 casos de violência contra jornalistas, equipes de reportagem ou meios de comunicação. Mais de metade dos agressores são agentes privados, nomeadamente manifestantes de extrema-direita, membros do crime organizado, trabalhadores de empresas de mineração, de garimpos, setores agroindustriais e turísticos.

As respostas do Estado brasileiro à situação de extrema insegurança em que operam os jornalistas que trabalham na Amazônia são insuficientes. Assim como as respostas da Justiça ao assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira.

Uma sociedade que não garante condições livres e seguras para o exercício do jornalismo, a defesa dos direitos fundamentais e dos seus povos originários está condenada, ao negar o seu passado, ao fracasso na construção do seu futuro.

Em nota divulgada nesta segunda-feira (05/06) em coletiva de imprensa conjunta em São Paulo, a RSF e oito organizações parceiras - a ONG Artigo 19, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Associação de Jornalismo Digital (Ajor), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), os Institutos Vladimir Herzog (IVH) e Palavra Aberta, a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) e o Tornavoz - fazem várias recomendações urgentes dirigidas ao Estado brasileiro:

  • Aprovar rapidamente a criação de um mecanismo de monitoramento conjunto entre o Estado, a sociedade civil e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos na Amazônia
  • Garantir de imediato uma proteção efetiva aos jornalistas e defensores dos direitos dos povos indígenas do Vale do Javari;
  • Identificar todos os envolvidos no homicídio de Bruno Pereira e Dom Phillips e chamá-los a prestar contas na Justiça;
  • Levar em conta o exercício do jornalismo como hipótese prioritária da causa de sua morte – o que, até hoje, não consta nas investigações da Polícia Federal sobre o tema.

 



LEIA ABAIXO A ÍNTEGRA DA NOTA CONJUNTA:

1 ano sem Dom Phillips e Bruno Pereira: Estado brasileiro deve respostas efetivas

Neste primeiro aniversário de morte do jornalista britânico e do indigenista brasileiro, organizações de defesa da liberdade de expressão e imprensa cobram responsabilização dos envolvidos no crime e segurança para comunicadores e defensores na Amazônia



Há um ano, em 5 de junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram em uma emboscada no rio Itacoaí, nos limites da Terra Indígena Vale do Javari, no estado do Amazonas, na região da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia. Dez dias depois, seus corpos foram encontrados esquartejados, queimados e escondidos na floresta. Desde então,  as respostas que o Estado brasileiro deu a este bárbaro crime e para a situação de extrema insegurança em que vivem povos indígenas, defensores de direitos humanos e comunicadores que atuam na Amazônia é insuficiente. 

Se é verdade que 12 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público Federal pelos crimes de duplo homicídio qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa para pesca ilegal, os maiores avanços no processos de responsabilização se concentraram em alguns executores mais diretos. No entanto, a não repetição de casos como o de Dom e Bruno exige que se nomeie e responsabilize todos aqueles que se beneficiaram de suas mortes e que têm interesse em silenciar os defensores que lutam pela proteção do território do Vale do Javari. Mesmo em relação aos réus presos, o processo não tem sido conduzido de forma diligente, já que no último dia 16 de maio, por decisão do Tribunal Regional Federal (TRF1), a pedido da defesa dos réus, o processo voltou à fase de instrução, para ouvir novas testemunhas.

Enquanto isso, pelo menos 11 defensores e comunicadores/as indígenas seguem sob alto risco. Apesar de terem sido incluídos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), as medidas oferecidas pelo Estado brasileiro não são capazes de responder às ameaças que têm recebido e à violência que impera na floresta amazônica. 

Os obstáculos para o acesso à justiça nesses casos e o cenário de risco para defensores e comunicadores locais é também alvo de medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Brasil responde hoje perante ao mais importante órgão regional de proteção e promoção de direitos pela integridade física e garantia de não impunidade nesse caso emblemático. O governo brasileiro, entretanto, tem resistido à instalação de um mecanismo inédito para o seguimento conjunto, entre o Estado brasileiro, a sociedade civil e a CIDH, do cenário de violência na floresta e das medidas adotadas pelo país para assegurar que fatos similares não voltem a se repetir.

De acordo com dados do “Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia”, iniciativa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), desde a morte de Dom e Bruno foram registrados 62 casos envolvendo jornalistas, equipes de reportagem inteiras ou meios de comunicação como um todo. Destes, foram 13 ameaças (incluindo de morte), 3 invasões ou atentados contra a sede de veículos de mídia e 1 jornalista foi alvo de tiros. Cerca de 57% dos agressores são agentes privados, entre eles manifestantes de extrema direita; membros do crime organizado e empresas mineradoras, de garimpo, do agronegócio e de turismo.

Reportagens produzidas na investigação internacional colaborativa do Projeto Bruno e Dom, coordenado pelo consórcio francês Forbidden Stories, revelou as complexas relações de poder na região de Atalaia do Norte. As investigações produzidas pela Abraji durante um ano de apuração também mostram que os clãs dos assassinos confessos da morte de Dom e Bruno recebiam seguro defeso há dez anos — um benefício federal pago para garantir a subsistência dos pescadores no período de piracema. O fato contradiz a defesa de que a fiscalização feita por Bruno teria levado ao desespero financeiro da família. A série de reportagens exalta o legado às vítimas e prova que, mesmo que ataquem o mensageiro, a mensagem continuará a ser propagada.

Nesta triste data para o jornalismo, para os defensores do meio ambiente e para o direito dos povos indígenas, conclamamos o Estado brasileiro a se empenhar efetivamente para responsabilizar todos os envolvidos nos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira. Em especial, reforçamos a importância do exercício do jornalismo por Dom Phillips ser considerado uma das hipóteses para sua morte — algo que, até hoje, não figura nos inquéritos da Polícia Federal sobre o tema. 

Ao mesmo tempo, exigimos que seja garantida, imediatamente, proteção eficaz aos defensores de direitos, povos indígenas e comunicadores/as do Vale do Javari, sob risco de novas tragédias se concretizarem na região. Uma sociedade que não garante condições livres e seguras para o exercício da atividade jornalística, de defesa de direitos fundamentais e de seus povos originários está fadada a apagar seu passado e impedir a construção de seu futuro.

Sobre o processo contra os suspeitos de matar Dom e Bruno

A decisão do TRF1 tomada em maio teve como base o pedido da defesa dos acusados, de que suas testemunhas teriam sido injustificadamente indeferidas pelo juiz Fabiano Verli, da Vara Única da Subseção Judiciária de Tabatinga (AM). Ruben da Silva Villar, conhecido como “Colômbia”, foi apontado pela Polícia Federal em janeiro deste ano como mandante dos crimes, mas ele não será ouvido neste processo. Está detido por usar documentos falsos. 

Já no dia 19 de maio, a Polícia Federal pediu o indiciamento do ex-presidente da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), Marcelo Xavier, por homicídio e ocultação de cadáver no caso dos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira. Para a PF, ao não tomar medidas para combater as reiteradas ações criminosas no Vale do Javari, Xavier teria assumido o risco dos assassinatos acontecerem. 

A Fundação recebeu inúmeros alertas sobre o cenário de risco na região e pedidos de proteção de sua equipe, principalmente após o assassinato do servidor Maxciel dos Santos, em 2019. Xavier dirigiu a FUNAI entre 2019 e dezembro de 2022, durante o governo Bolsonaro. Também foi indiciado Alcir Amaral Teixeira, coordenador-geral de Monitoramento Territorial, responsável pela segurança dos territórios indígenas e substituto eventual de Xavier no comando da FUNAI.

Artigo 19 Brasil e América do Sul

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)

Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca)

Associação de Jornalismo Digital (Ajor)

Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

Instituto Vladimir Herzog (IVH)

Instituto Palavra Aberta

Repórteres Sem Fronteiras (RSF)

Tornavoz

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Nota: 58,59
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