RSF e outras seis organizações alertam para escalada de agressões contra a imprensa na América Latina

No Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) e outras seis organizações de defesa da liberdade de imprensa lançam um alerta sobre a escalada das agressões contra o jornalismo na América Latina em 2022. Comunicado conjunto destaca tendências e causas estruturais associadas à violência contra jornalistas na região e pede aos governos para que implementem as várias recomendações já apresentadas a fim de enfrentar concretamente este fenômeno.

O ano de 2022 é o mais violento das duas últimas décadas para a imprensa na América Latina e Caribe. Durante os últimos onze meses, foram registrados pelo menos 37 assassinatos de jornalistas (dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH/OEA) relacionados a seu trabalho. Além disso, dezenas de exílios, detenções, meios de comunicação forçados a fechar e jornalistas que seguem desaparecidos até este ano.

No agravamento das condições para a prática do jornalismo na América Latina, vemos quatro tendências preocupantes:

- O ressurgimento de regimes políticos populistas: em toda a região, vemos líderes que aplicam uma estratégia de transformar o mensageiro em mensagem. Constantemente, eles adotam uma retórica anti-impressa como instrumento central em seus discursos oficiais. Esta retórica mina o debate público, inibe o fluxo e a pluralidade de ideias, ao mesmo tempo em que contribui para um ambiente permissivo para o uso da violência contra jornalistas. A situação é particularmente crítica em El Salvador, Venezuela, Nicarágua, Cuba e Guatemala, onde vários jornalistas enfrentam acusações fabricadas e não têm garantia de um processo justo, em muitos casos em função de magistrados utilizados como braços políticos do Poder Executivo.

- A desinformação online: preocupam estratégias de desinformação que procuram desprestigiar, deslegitimar e minar a confiança no jornalismo, principalmente aquelas que partem de autoridades que utilizam redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas. Exércitos de trolls são utilizados por governos para realizar campanhas de perseguição e descredibilização contra os meios de comunicação e jornalistas. Essas estratégias impactam no direito da sociedade em receber informação e distorcem a informação que chega à população. Também nos preocupa que autoridades divulguem informações falsas ou meias verdades que, por exemplo, em contextos sensíveis, podem levar os cidadãos a não acreditarem na legitimidade de determinados processos democráticos, como é o caso das eleições. Muitas vezes, isso obriga o jornalismo a refutar autoridades. Além disso, operações de desinformação e estigmatização minam a confiança no jornalismo.

- Mecanismos de proteção: embora representem um avanço para a garantia dos direitos dos jornalistas, os mecanismos de proteção apresentam fragilidades no seu funcionamento. Eles não são suficientes para enfrentar os problemas que motivaram sua criação. É portanto necessário fortalecê-los nos países onde já existem e implementá-los naqueles que ainda não contam com tais programas. Os Estados devem garantir recursos humanos e financeiros para que possam funcionar eficientemente e eles devem ser acompanhados por políticas públicas de proteção integral, que contemplem a prevenção e a coordenação com outros organismos. Ao mesmo tempo, a impunidade deve ser enfrentada e as instituições devem ser reforçadas para permitir investigações robustas e independentes, que tratem efetivamente do fenômeno dos crimes contra a liberdade de expressão.

- Vigilância e espionagem: as forças de segurança do Estado continuam implementando práticas de vigilância das comunicações contra jornalistas de uma forma ilegal. A utilização de tecnologias invasivas para violar a privacidade e obter acesso a suas comunicações privadas e à informação armazenada em seus dispositivos pessoais e de trabalho põe em risco fontes jornalísticas, ameaça o jornalismo investigativo como contrapeso ao poder e coloca jornalistas em uma condição de vulnerabilidade, na qual podem ser vítimas de outros abusos.

As organizações da sociedade civil que defendem a liberdade de expressão e de imprensa já apontaram várias caminhos para que os Estados da região enfrentem tais desafios, desde estratégias para combater o assédio judicial e a impunidade; o reforço da independência e do profissionalismo dos que compõem o Poder Judiciário; a criação de mecanismos de proteção onde eles não existem e o fortalecimento dos já instituídos; o fim de práticas de vigilância contra jornalistas; até ações para proteger o debate público online e offline, incluindo o cessar de discursos estigmatizantes que aumentam a hostilidade contra a prática jornalística.

Um ataque contra a imprensa é um ataque à democracia, particularmente num contexto em que exercer o trabalho de informar se encontra sob assédio constante. Por este motivo, apelamos aos Estados que adotem estas e outras ações para que os lamentáveis números de agressões registrados contra o jornalismo na América Latina não se repitam e não aumentem, ano após ano. E para que, ao contrário, sejam garantidas as condições para o exercício livre e seguro do jornalismo.

Assinam:

ARTIGO 19 México e América Central

Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ)

Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP)

IFEX-ALC

Repórteres Sem Fronteiras (RSF)

Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)

Voces del Sur (VdS)

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