Ranking RSF 2020: um horizonte sombrio para a liberdade de imprensa na América Latina
O ambiente no qual os jornalistas da América Latina operam é cada vez mais complexo e hostil. Além da crescente pressão, violência e intimidação sofridas por muitos jornalistas que cobrem casos sensíveis, foram lançadas extensas campanhas para desacreditar a profissão na maioria dos países da região.
Com duas exceções notáveis - a Costa Rica, que conquista três lugares e ocupa agora a 7a posição, e o Uruguai, que mantém sua 19a posição -, esta edição de 2020 é marcada por uma deterioração geral da situação da liberdade de imprensa na América Latina. A repressão e a estigmatização da profissão, alimentadas pela desinformação e pelos ataques online, assumiram novas dimensões, principalmente em países que enfrentam grandes conflitos sociais.
A instabilidade política e social como vetor dos ataques à imprensa
Este é particularmente o caso no Haiti (83a) que, com 21 posições a menos, registrou a maior queda no Ranking em 2020. Por quase dois anos, protestos, muitas vezes violentos, se multiplicaram em todo o país contra o presidente Jovenel Moïse, enredado em casos de corrupção, e os jornalistas haitianos foram sistematicamente alvos de ataques durante as manifestações. O assassinato do jornalista Nehemiah Joseph em 2019 explicita o aumento da violência e a grande vulnerabilidade da profissão.
Em quase toda a região, a eclosão de conflitos sociais e o desafio de cobrir as manifestações colocam os jornalistas, como no Haiti, na linha de frente. Foi assim que, no Equador (98a, - 1), durante os protestos organizados por uma parte da população que se considerou traída pela guinada neoliberal do presidente Lenín Moreno, os ataques a jornalistas aumentaram, impondo maiores riscos à imprensa. O mesmo se verificou no Chile (51a), que perdeu cinco posições no Ranking - depois de perder oito no ano passado. A onda de protestos que sacudiu as estruturas do país foi o palco de dezenas de agressões e ataques contra jornalistas e meios de comunicação.
Inúmeras agressões e ataques a jornalistas também foram registrados na Bolívia (114a, 1) durante as manifestações que pontuaram a campanha eleitoral e a eleição presidencial de novembro de 2019, antes de causar a renúncia e o exílio forçado do ex-presidente Evo Morales e mergulhar o país em uma fase de incerteza e instabilidade.
Em menor grau, a Argentina (64a) perdeu sete posições no ranking de 2020, principalmente devido à violência policial e agressões a jornalistas durante manifestações nas principais cidades do país por ocasião da eleição que levou Alberto Fernández à presidência do país em dezembro de 2019.
Derivas autoritárias: a censura com muitas faces
No Brasil (107a, - 2), a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2019 contribuiu amplamente para fazer o país cair pelo segundo ano consecutivo no Ranking da RSF. A queda está em larga medida associada à deterioração do ambiente em que operam os jornalistas, marcado por uma hostilidade permanente que atravessa a relação do governo com a imprensa. O presidente Jair Bolsonaro insulta e ataca sistematicamente alguns dos jornalistas e meios de comunicação mais importantes do país, o que estimula aliados a fazerem o mesmo, alimentando um clima de ódio e desconfiança para com os diferentes atores da informação. Nesse contexto tenso, os jornalistas brasileiros, e sobretudo as mulheres, estão cada vez mais vulneráveis e são regularmente atacados por grupos promotores de ódio e por apoiadores do presidente, em particular nas redes sociais.
Na Venezuela (147a), que deve sua alta de uma posição apenas a um efeito mecânico do Ranking, a deriva autoritária do presidente Maduro continua inexoravelmente, e a repressão governamental contra a imprensa independente tornou-se cotidiana e multifacetada: prisões arbitrárias, violência pelas forças de segurança e pelos serviços de inteligência, privação de frequências de rádios e TVs excessivamente críticas, interrupções na Internet e bloqueios das redes sociais, expulsão de jornalistas estrangeiros, etc.
A imprensa independente da Nicarágua (117a, - 3) sofre o mesmo destino e sufoca diante da repressão feroz do presidente Daniel Ortega - reeleito em 2016 pelo terceiro mandato consecutivo -, de seu governo e de seus apoiadores. Em 2019, as detenções arbitrárias e o exílio de jornalistas continuaram e aumentaram. Diante da escassez de matérias-primas (papel, borracha) orquestrada pelas autoridades, os jornais impressos do país desapareceram quase todos.
Cuba (171a), perdendo duas posições, estagnou nas profundezas do Ranking e continua sendo o pior país da América Latina em termos de liberdade de imprensa. O regime cubano, agora personificado por Miguel Díaz-Canel, mantém um monopólio quase total da informação, e a imprensa privada permanece proibida pela Constituição. As detenções e prisões de jornalistas como forma de intimidação se intensificaram em 2019.
Problemas estruturais inextricáveis
Com pelo menos 10 jornalistas assassinados em 2019, o México (143a, + 1) continua sendo o país mais perigoso do continente, e o governo do presidente López Obrador demonstrou até o momento incapacidade de conter a espiral de violência e impunidade. Neste país, assim como em seus vizinhos da América Central, o conluio entre o crime organizado e as autoridades políticas e administrativas corruptas - sobretudo no nível local - persiste e transcende a variável política, ameaçando seriamente a segurança dos atores da informação. Na Guatemala (116a) e em Honduras (148a, - 2), em particular, os jornalistas da imprensa de oposição e da mídia comunitária que se atrevam a denunciar desvios de recursos públicos por políticos eleitos e autoridades são regularmente agredidos, ameaçados de morte, forçados ao exílio ou assassinados.
O mesmo desamparo se verifica na Colômbia (130a), que perde outra posição no Ranking. A intensificação das agressões, ameaças de morte e sequestros de jornalistas desde a posse do presidente Iván Duque, em agosto de 2018, voltou a ampliar os desertos de notícias no país e enfraqueceu um pouco mais a profissão.
Uma dupla pressão com o cyberbullying
Por fim, deve-se notar que na América Latina, assim como em outras partes do mundo, os ataques físicos à profissão costumam ser acompanhados de campanhas de assédio cibernético, ou cyberbullying, realizadas por exércitos de trolls e/ou apoiadores dos regimes autoritários. Esses métodos de censura online estão proliferando perigosamente e são particularmente violentos contra as mulheres jornalistas.
Diante desse panorama sombrio, fica claro que os desafios para a liberdade de imprensa progredir de forma durável e significativa na América Latina são inúmeros. Diante de um cenário de forte instabilidade política e frente a governos que agem de forma a enfraquecer as instituições democráticas, os jornalistas e meios de comunicação latino-americanos demonstram uma grande capacidade de se reinventar para encontrar soluções alternativas a todo tipo de pressão.