Dois anos de ditadura militar em Mianmar: o terror contra jornalistas recrudesceu em todas as frentes
Dois anos após a tomada do poder pelo Tatmadaw, o exército mianmarense, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) apresenta um terrível balanço do número de violações à liberdade de imprensa cometidas pelos militares. Para ocultar o massacre de civis e assegurar sua autoridade, a junta militar detém, aprisiona, tortura ou elimina jornalistas que possam afetar seu controle da informação.
Desde o golpe de 1o de fevereiro de 2021, quatro jornalistas mianmarenses foram mortos, dois deles após serem violentamente interrogados, espancados e mutilados. Ao menos 130 jornalistas foram igualmente detidos e presos, sendo que 72 deles ainda estão em detenção. Dezenas de casos de tortura foram reportados. Implacável nesses dois últimos anos, a repressão à liberdade de imprensa em Mianmar tem se intensificado em todas as frentes. No espaço, no tempo e no método.
“Há dois anos, os números do drama mianmarense, compilados pela RSF, causam enjôo. Uma máquina de repressão implacável se abateu sobre todo o território. As penas de prisão contra jornalistas não param de se prolongar. Tudo com um único objetivo: impedir que o mundo saiba o que acontece sob o coturno dos generais mianmarenses. Apelamos ao relator especial das Nações Unidas responsável por esse caso, Tom Andrews, para incluir a tragédia birmanesa no centro da agenda internacional.
Segunda maior prisão do mundo para quem produz informação, depois da China, Mianmar é agora, em números relativos, o país que mais aprisiona jornalistas em relação à população. Acima de tudo, o terror orquestrado pelos militares revela-se diabolicamente metódico - como ilustrado pela curva do número acumulado de jornalistas presos nos últimos dois anos, assim como de condenações a penas de prisão decretadas.
Um recrudescimento no método
Nos 12 primeiros meses após o golpe, o número de jornalistas detidos aumentou de maneira constante. Um total de 115 jornalistas foram detidos e presos ao longo desse período, comparado a 15 no ano seguinte. Essa redução, contudo, não é sinal de um enfraquecimento da repressão. Ao contrário: os profissionais da mídia que cobriram amplamente os movimentos de protesto organizados em reação ao golpe de estado, se não estão apodrecendo atrás das grades, foram obrigados a fugir do país ou a viver na clandestinidade. Na verdade, os 15 jornalistas que foram jogados na prisão no último ano, em sua quase maioria, foram capturados em seus esconderijos.
A redução da curva de prisões é acompanhada, paralelamente, por um aumento igualmente preocupante do número de jornalistas condenados a penas de prisão. Cerca de dez jornalistas foram alvos de condenação em dezembro de 2021. Hoje, este número é cinco vezes maior. De forma evidente, os tribunais militares tomaram o lugar das forças armadas para esmagar qualquer possibilidade de informação independente no país.
Um recrudescimento no tempo
O fenômeno é ainda mais marcado pelo fato de que a intensificação do aparato repressivo se estende no tempo: as penas decretadas pelos tribunais militares não param de se prolongar, chegando ao recorde de quinze anos de prisão aos quais foi condenado o jornalista freelancer Myo San Soe, no final de 2022. Ao longo de 2022, a duração acumulada das penas de prisão contra jornalistas triplicou. Passou de 58 anos no final de 2021 a 189 no final de 2022.
E por um motivo: no dia seguinte ao golpe, a junta militar se muniu de uma ferramenta repressiva sob medida, na forma do artigo 505(A) do Código Penal, para punir a disseminação de “notícias falsas” contra funcionários do governo militar. Mas, ao longo dos meses, os tribunais criados dentro das próprias prisões começaram a condenar os jornalistas a penas muito mais pesadas, com base em novas acusações: “terrorismo”, “espionagem” ou simples “atos prejudiciais à segurança do Estado”... Qualquer pretexto é válido para aumentar as penas e intimidar toda a atividade jornalística.
Um recrudescimento no espaço
Uma análise dos locais de detenção dos jornalistas mostra enfim a que ponto a junta conseguiu estender seu aparato repressivo sobre a totalidade do território por ela controlado. Embora a sinistra prisão de Insein, em Rangum, concentre cerca de trinta jornalistas detidos, a RSF conseguiu identificar pelo menos 26 outros locais de detenção.
Algumas áreas fronteiriças do território birmanês, no entanto, escapam dessa máquina implacável: o estado de Chin, a oeste, o estado de Kachin, ao norte, e o estado de Shan, a leste. Essas três regiões são tradicionalmente dominadas por rebeliões separatistas e administradas por movimentos hostis ao Tatmadaw. Em outras palavras, onde a junta não exerce sua autoridade direta, os jornalistas têm relativa liberdade para trabalhar.
Nesse cenário macabro, sem dúvida é aí que devemos ver um sinal de esperança: numa parte do país, a sociedade civil ainda consegue escapar às garras da junta e mostra uma sede insaciável de informação. Um sinal, mais evidente do que nunca, da importância da liberdade de imprensa na luta pela democracia em Mianmar.