O que está em jogo para a liberdade de imprensa e a democracia na eleição no Brasil
O presidente Jair Bolsonaro fez dos ataques contra a imprensa uma das marcas do seu mandato. Apoiado por uma base cada vez mais virulenta e sustentado por campanhas de desinformação, ele prejudicou significativamente a liberdade de imprensa e o direito à informação no país. Sua reeleição representaria uma séria ameaça ao direito à informação confiável e à democracia brasileira.
“Desde os primeiros dias de seu mandato, o Presidente Bolsonaro adotou uma postura abertamente agressiva e beligerante contra os jornalistas. Em inúmeras ocasiões, ele demonstrou sua absoluta falta de compreensão do papel da imprensa em uma sociedade democrática. Na sua concepção, a mídia deve ser apenas um instrumento de propaganda de seu governo. A perspectiva de um segundo mandato de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil é hoje a maior ameaça à liberdade de imprensa no país. Isso abriria caminho para novos e sérios ataques a informações confiáveis e à democracia brasileira", alerta Emmanuel Colombié, diretor do escritório da RSF na América Latina.
Neste domingo, 2 de outubro de 2022, mais de 156 milhões de brasileiros irão às urnas para escolher um presidente, representantes para o Congresso Nacional, governadores e deputados estaduais para os próximos quatro anos. Mas é a eleição presidencial a mais decisiva para o futuro da liberdade de imprensa no país. Desde que foi eleito em 2018, o presidente Bolsonaro - que concorre à reeleição - tornou-se o principal catalisador dos ataques a jornalistas, implementando uma política permanente de descredibilização da imprensa e promovendo campanhas de desinformação, com consequências desastrosas para o exercício da profissão e o vigor do debate público.
Um ambiente hostil para o jornalismo
O discurso oficial do presidente Bolsonaro de retratar a imprensa como um inimigo que deve ser combatido, especialmente durante a campanha eleitoral, encontrou ressonância considerável em sua base de apoio, particularmente bem organizada em redes sociais. Desde o início da campanha em 16 de agosto de 2022, a RSF tem monitorado sistematicamente esses ataques online, tendo registrado até agora nada menos que 2,8 milhões de posts com conteúdo ofensivo contra jornalistas, 86% dos ataques diretos a jornalistas são para mulheres. A grande maioria dessas publicações hostis tem como origem apoiadores do presidente, sua família e ministros do governo, com um alcance de milhões de brasileiros.
Em 2020, o "sistema Bolsonaro" (incluindo o presidente, seus filhos e ministros próximos) está por trás de pelo menos 580 ataques coordenados contra a imprensa. Relatório publicado pela RSF sobre o primeiro semestre de 2021 mostra que Jair Bolsonaro atacou diretamente a imprensa 87 vezes nas redes sociais. Desde então, este número só fez aumentar.
Outro estudo publicado em 2022 pela RSF e a Gênero e Número, organização parceira no Brasil, mostrou as dramáticas conseqüências da expansão e banalização destes ataques na vida pessoal e no trabalho das mulheres jornalistas: 8 em cada 10 jornalistas afirmaram ter tido que mudar seu comportamento nas redes sociais nos últimos anos, mais de 50% dizem que estes ataques impactaram sua rotina profissional e 15% relatam ter desenvolvido problemas de saúde mental.
As intimidações e insultos orquestrados a partir do mais alto nível do Estado não se limitam ao espaço digital. Nos últimos quatro anos, as campanhas de assédio, insultos, estigmatização e humilhação de jornalistas se tornaram comuns por bolsonaristas. Em 2021, cercado por vários apoiadores, ao falar sobre gastos públicos abusivos do governo federal, Bolsonaro convidou jornalistas a "enfiar latas de leite condensado no rabo", antes de ser ovacionado. Em 23 de agosto de 2020, em atividade pública em Brasília, o presidente, questionado por um jornalista da Globo sobre um dos casos de corrupção envolvendo diretamente sua família, respondeu: "Vontade de encher tua boca com uma porrada, seu safado!". Tais declarações grosseiras e abjetas se multiplicaram durante seu mandato e, na maioria das vezes, provocaram ondas de ataques orquestrados contra a imprensa nas redes sociais.
Após queixa apresentada pela RSF e seus parceiros brasileiros em 2020, o Ministério Público Federal emitiu um parecer determinando a necessidade de medidas de segurança específicas para os jornalistas que cobrem política em Brasília. A decisão veio na esteira de inúmeros ataques aos jornalistas pelos apoiadores do presidente em frente ao Palácio da Alvorada e a humilhações orquestradas por Jair Bolsonaro contra a imprensa.
Em 2021, Jair Bolsonaro juntou-se à lista de predadores de liberdade de imprensa da RSF. Em junho de 2022, ele foi condenado por assédio moral coletivo contra a categoria de jornalistas após ação judicial movida pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em decisão inédita no país. Em sua decisão, a juíza do caso destacou o uso de "piadas homofóbicas, comentários xenófobos, expressões vulgares, incitação ao ódio, desprezo e intolerância contra os jornalistas".
A desinformação como método de governo
Insultar, difamar, humilhar... Com sua retórica anti-mídia, Jair Bolsonaro descredibiliza a imprensa e sua função garantidora do pluralismo de opiniões e do bom debate público, e assim também pretende acabar com questionamentos sobre as campanhas de desinformação orquestradas dentro do palácio presidencial. Este método lhe permitiu espalhar suas mentiras sobre o desmatamento na Amazônia, manipular informações sobre a pandemia, decretar sigilo de 100 anos a informações que comprometem sua família e abafar denúncias de corrupção dentro do governo.
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) foi totalmente tomada pela propaganda do governo: entre janeiro e maio de 2022, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) pagou 3,2 milhões de reais para transmitir eventos durante os quais Bolsonaro divulgou nada menos que 287 alegações falsas e/ou enganosas. Vários vídeos do presidente disseminando desinformação sobre a pandemia do coronavírus e sobre o sistema eleitoral foram removidos por plataformas digitais como o YouTube e o Facebook.
Na última semana da campanha eleitoral, negando os resultados das pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro afirmou que o único resultado possível das eleições seria sua vitória no primeiro turno. Segundo ele, qualquer resultado contrário significaria a existência de fraude no pleito. O risco da eclosão de conflitos sociais e de uma ruptura institucional, a depender do resultado das urnas neste domingo, está dado.
No início de agosto, juntamente com outras 10 organizações de liberdade de imprensa, a RSF enviou uma carta compromisso aos 12 candidatos presidenciais pedindo garantias para o livre exercício do jornalismo no contexto das eleições. Jair Bolsonaro não assinou a carta.
Em 27 de setembro, a RSF se reuniu com a missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Interamericanos (OEA) para alertar sobre o contexto hostil contra a imprensa durante a cobertura destas eleições.
Entre 2018 e 2022, o Brasil caiu da 102ª para a 110ª posição no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa elaborado pela RSF. O país ocupa agora o 124º lugar no indicador de segurança. Se Jair Bolsonaro for reeleito, os riscos de uma maior degradação desses índices são imensos. Na véspera das eleições, o direito à informação está mais do que nunca em perigo e a democracia brasileira, na corda bamba.