Coronavírus na África: a liberdade de imprensa infectada
À medida que a pandemia se espalha pelo continente africano, a Repórteres sem Fronteiras (RSF) lamenta o aumento de atos de intimidação, agressão e censura dirigidos a jornalistas e meios de comunicação do continente que estão cobrindo a atual crise sanitária. A RSF exorta as autoridades a não travar o combate errado, garantindo a liberdade de informação, mais essencial do que nunca durante esse período.
Nesta sexta-feira, 27 de março, a África possui 3.337 casos e 90 mortes pelo coronavírus. Quase todos os 55 estados membros da União Africana estão agora afetados pela pandemia e o cerco está se fechando perigosamente ao redor dos jornalistas do continente. Na RDC, Tholi Totali Glody, repórter da Alfajari TV, foi perseguido e derrubado de sua moto por policiais enquanto gravava uma reportagem sobre o confinamento imposto à população de sua província. Situações quase idênticas ocorreram no Senegal, onde uma equipe de televisão da Touba TV recebeu vários golpes de cassetete de um policial mesmo tendo uma autorização da prefeitura para cobrir o confinamento, e em Uganda, onde Julius Ocungi, diretor da Rede Radio Ouganda, foi agredido pela polícia, que ainda roubou seu dinheiro e sua câmera por tentar cobrir o fechamento de um bar. Na Nigéria, vários jornalistas do canal TVC, embarcados com a polícia que fechava locais públicos, também foram agredidos e tiveram seus telefones roubados por membros de uma igreja em Lagos, a capital econômica do país. Na Etiópia, dois jornalistas da imprensa estrangeira, Tom Gardner (The Economist e The Guardian) e Robbie Corey-Boulet (AFP), foram acusados de serem portadores do vírus por um troll com mais de 30 mil seguidores.
Além desses casos de agressão e intimidação, há tentativas de impedir que os jornalistas façam seu trabalho. As autoridades da Nigéria e da Libéria decidiram limitar o acesso à presidência a um punhado de meios de comunicação, quase todos controlados ou próximos ao poder. Os Camarões excluíram da comunicação do governo vários veículos de comunicação privados críticos muito populares. E, em Madagascar, os programas de antena aberta, nos quais os telespectadores podem intervir e expressar sua opinião sobre a pandemia e sua gestão estão, agora, proibidos.
Finalmente, as pressões policiais e judiciais estão aumentando. Por revelar dois casos de coronavírus na prisão de Abidjan, em uma investigação cujas conclusões foram desmentidas pela administração penitenciária, dois jornalistas marfinenses foram condenados a uma multa de 5 milhões de francos CFA (7.622 euros) cada um por “divulgação de notícias falsas”. Fatos que agora são puníveis com pena de prisão de até seis meses na África do Sul, que acaba de endurecer sua legislação no contexto da luta contra o coronavírus. No Mali e no Congo, um jornalista do L’indépendant e uma equipe da DRTV foram presos brevemente após reportagens sobre a epidemia.
“Agressões, intimidações, prisão de jornalistas, censura e exclusão dos meios de comunicação críticos, a liberdade de imprensa não deve ser uma vítima colateral dessa epidemia global, diz Arnaud Froger, diretor do escritório da RSF para a África. Atacar os profissionais da informação é, sem dúvida, uma das piores maneiras de combater de maneira eficaz a propagação do vírus. Instamos as autoridades dos países em questão a não travar o combate errado, garantindo aos jornalistas a possibilidade de exercer livremente sua profissão sem medo de represálias, no momento em que sua missão de informar o público é mais do que nunca essencial.”
A estratégia de atacar a liberdade de informação pode ter consequências particularmente graves no momento. Em uma publicação mostrando a cronologia das tentativas de sufocar ou de minimizar a escala da crise sanitária, a RSF demonstrou recentemente os estragos da censura e do controle de informações pelas autoridades chinesas. Se os jornalistas e os meios de comunicação desse país tivessem podido realizar seu trabalho livremente, milhares de vidas poderiam, sem dúvida, ter sido salvas, e a epidemia talvez não tivesse se tornado uma pandemia global.