Brasil: Novo governo Lula deve pôr fim a clima hostil contra a imprensa que marcou os anos Bolsonaro
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais é uma boa notícia para a liberdade de imprensa no Brasil, após o período de pesadelo do governo Bolsonaro. A Repórteres sem Fronteiras (RSF) faz um chamado à futura administração Lula para demonstrar clara e inequivocamente seu empenho em restabelecer um ambiente de trabalho são e seguro para o exercício do jornalismo no país.
"Os ataques contra a imprensa foram marca registrada do governo Bolsonaro. Ele instalou um clima de permanente hostilidade contra a profissão durante seu mandato. O novo presidente Lula deve romper este ciclo e adotar um discurso de abertura e respeito ao trabalho dos jornalistas. O novo governo também deverá enfrentar problemas estruturais que minam a liberdade de imprensa no Brasil, tais como o crescimento da desinformação, a violência contra jornalistas e a falta de pluralismo e diversidade dos meios de comunicação social e de transparência pública no país
Neste domingo, 30 de outubro de 2022, após uma campanha tensa e marcada por inúmeros ataques à imprensa, Lula foi eleito no segundo turno das eleições presidenciais, derrotando o atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro por uma estreita margem de 50,9% a 49,1% dos votos válidos. Lula tomará posse e iniciará um terceiro mandato no dia 1o de janeiro de 2023 - por um período de quatro anos - após ter liderado o país entre 2003 e 2010.
Desinformação e propaganda
O novo governo herda um balanço catastrófico da imprensa como um dos alvos favoritos de Bolsonaro. Seu governo ficará tristemente marcado pelos ataques permanentes aos meios de comunicação críticos: estigmatizações, humilhações, insultos orquestrados a partir da presidência e campanhas de assédio nas redes sociais, especialmente contra as mulheres jornalistas. As dificuldades de acesso à informação pública, a divulgação de campanhas de desinformação e a mobilização do aparato público para fins de propaganda são também marcadores do bolsonarismo que o novo presidente terá de enfrentar.
Os desafios enfrentados por Lula são, portanto, imensos. Para RSF, é essencial que o presidente da República adote um discurso e uma política de comunicação que valorize a importância do trabalho dos jornalistas e condene publicamente as violências e ataques contra a profissão, especialmente nas redes sociais.
O governo Lula precisará também restabelecer a autonomia e independência editorial da empresa pública de comunicação (EBC), para que os veículos geridos por ela se tornem instrumentos de comunicação pública e não de propaganda a serviço do governo, como tem sido nos últimos quatro anos. Num contexto de concentração histórica da propriedade dos meios, de uso da radiodifusão para fins políticos e religiosos, e de ausência de um verdadeiro pluralismo midiático no país, é crucial que o novo governo zele para que os funcionários da EBC possam trabalhar num ambiente seguro e saudável.
Uma gestão desastrosa da pandemia de covid-19
A administração Lula terá também de restabelecer uma verdadeira cultura de acesso à informação pública, que tem sido minada por Jair Bolsonaro, que assinou vários decretos que lhe permitem manter sob sigilo, durante 100 anos, informações que comprometem sua família e seu governo, sobretudo sobre sua desastrosa gestão da pandemia do coronavírus. Tais informações de interesse público devem poder ser conhecidas pela imprensa e o público em geral.
A segurança dos jornalistas brasileiros é outra questão central a ser abordada. Sob o governo Bolsonaro, os ataques e assassinatos de jornalistas não diminuíram. A RSF espera que o novo presidente reforce o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), garantindo a criação de protocolos específicos para a população de jornalistas e uma melhor participação da sociedade civil no processo de tomada de decisões (ver o relatório detalhado da RSF sobre o tema).
Finalmente, o Brasil terá um enorme desafio no próximo período para lutar contra a desinformação e os discursos extremistas que circulam nas redes sociais. Neste sentido, o Pacto Internacional sobre Informação e Democracia, que visa garantir um espaço digital democrático para a informação através da regulação das plataformas digitais, tem muitas contribuições a dar ao debate que a RSF espera ver reaberto no país já em 2023.