Ranking RSF 2020: diversidade de ameaças ao futuro do jornalismo africano
Em 2020, 21 de 48 países africanos ainda aparecem em vermelho ou preto no mapa do Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa compilado pela Repórteres sem Fronteiras (RSF). A situação daqueles que tentam produzir informações é difícil, até mesmo crítica. A próxima década será decisiva para o futuro do jornalismo no continente.
A liberdade de imprensa permanece muito frágil na África subsaariana. A queda de muitos ditadores e regimes autoritários nos últimos anos, como em Angola (106a, + 3), na Etiópia (99a, + 11), em Gâmbia (87a + 5), na República Democrática do Congo (150a, + 4), no Sudão (159a, + 16) ou no Zimbábue (126a + 1), ajudou a afrouxar um pouco o cerco ao redor dos jornalistas nesses países. No entanto, as mudanças profundas, únicas capazes de promover o desenvolvimento de um jornalismo de qualidade, livre e independente, ainda são raras demais. Pior, alguns países como a Tanzânia (124a, - 6) ou o Benin (113a, - 17) sofreram reveses muito significativos. Prisões e detenções arbitrárias de longo prazo estão em ascensão no continente, assim como ataques, especialmente online, e novas leis repressivas que, em nome do combate à desinformação ou aos crimes cibernéticos, podem ser usadas para restringir de maneira abusiva a liberdade de informação.
Descriminalizar o jornalismo e proteger aqueles que o praticam
A profissão continua a matar na África, em geral, na maior impunidade. Segundo a RSF, 102 jornalistas foram mortos ou assassinados no continente nos últimos dez anos, metade deles na Somália (163a+ 1). Esse país continua sendo o mais perigoso para os repórteres, apesar do progresso significativo em punir policiais e militares que cometem abusos contra profissionais da informação. Na RDC, um jornalista foi morto no leste do país no ano passado, e vários de seus colegas tiveram que fugir por medo de sofrer o mesmo destino. Além disso, os meios de comunicação que cobrem os esforços para responder à epidemia de Ebola tem sido sistematicamente atacados. Na África Ocidental, e especialmente em Gana (30a, 3), o inquérito sobre o assassinato do jornalista investigativo Ahmed Hussein-Suale em janeiro de 2019 não identificou os culpados. Na Nigéria (115a, +5), os responsáveis pela morte de dois jornalistas, abatidos com um intervalo de seis meses em meio a protestos, ainda estão livres.
A segurança dos jornalistas continua sendo uma questão importante e necessariamente precisará dispor de um arcabouço jurídico mais protetor. Nesse âmbito, o fim das penas de privação de liberdade dos jornalistas por atos cometidos no exercício de suas funções continua sendo um objetivo longe de ser alcançado. Alguns, como o ex-diretor geral de radiodifusão pública dos Camarões (134a, - 3), Amadou Vamoulké, são julgados em tribunais especiais sem direito a um processo justo. Esse jornalista está em prisão preventiva desde 2016. Nenhum de seus colegas, com exceção daqueles detidos na Eritreia, está sujeito a esse tratamento no continente.
Em 2019, a RSF contabilizou 171 prisões arbitrárias de jornalistas na África Subsaariana. Mais da metade dos países do continente utilizou esse recurso, às vezes até quando a lei local já havia estabelecido a descriminalização dos delitos de imprensa. Quando a revisão das leis repressivas é lenta, a adoção de novos textos genéricos em nome da luta contra a desinformação ou o discurso de ódio ocorre em toda parte. Esses textos nunca atingem os objetivos a que almejam, mas podem ser facilmente instrumentalizados para restringir abusivamente a liberdade de informação. As leis sobre a imprensa são ignoradas e os jornalistas são acusados alternadamente de serem terroristas, espiões, fraudadores ou mesmo criminosos cibernéticos, com o único objetivo de serem silenciados.
No Benin, o jornalista investigativo Ignace Sossou foi assim condenado, com base em um código digital adotado recentemente, a uma pena de prisão de 18 meses em regime fechado por “assédio por meio de comunicações eletrônicas”. Ele havia publicado tweets repetindo, palavra por palavra, declarações de interesse público. Ele nunca deveria ter sido condenado por atos tão claramente caracterizados como jornalismo. No Chade (123a, - 1), as acusações contra o editor Martin Inoua Doulguet foram reclassificadas como assédio cibernético, enquanto, inicialmente, ele estava sendo processado por difamação. Já as acusações contra o jornalista investigativo tanzaniano Erick Kabendera foram alteradas três vezes com o único objetivo de mantê-lo preso. Ainda processado, mas agora livre, ele passou sete meses atrás das grades. Sua detenção arbitrária explica em parte, mais uma vez este ano, a queda vertiginosa da Tanzânia (124a, - 6), que perdeu 57 posições no Ranking desde 2016. Nenhum país do mundo viu sua situação se deteriorar tão rapidamente nos últimos anos.
Censura cibernética, vigilância cibernética, ataques cibernéticos: enfrentando novas ameaças
Por outro lado, o Sudão (159a, + 16) registrou um forte crescimento desde a queda de Omar el-Béchir em abril de 2019. O nível de ataques diretos, prisões de jornalistas e censura de jornais diminuiu significativamente, mas a imprensa, especialmente online, ainda está sob vigilância. De acordo com informações da RSF, a Cyber Jihadists Unit, um rebento dos serviços de inteligência, ainda está ativa e continua, em particular, a rastrear a atividade de jornalistas.
Com suas comunicações cada vez mais vigiadas, censurados na internet, até mesmo atacados online, jornalistas e meios de comunicação africanos enfrentam um risco duplo: o de serem desacreditados como aconteceu em 2019 ao primeiro grupo de imprensa privada do Quênia (103a, - 3), renomeado como #NationMediaGarbage durante uma campanha liderada por trolls próximos ao governo; e o de se tornarem invisíveis por causa do caos informacional nas redes sociais, onde as informações confiáveis são frequentemente afogadas em uma massa de conteúdo que mistura propaganda política, teorias da conspiração e desinformação.
Entre essas novas ameaças, a censura cibernética continua ganhando terreno e agora é uma arma particularmente letal para o jornalismo na África. Metade dos países da África Subsaariana avaliados pelo RSF utilizam essa estratégia desde 2015, sendo dez somente no último ano. Entre eles, incluem-se a RDC, a Mauritânia (97a, - 3), o Malawi (69a, - 1), ou ainda a Etiópia. O Chade bateu um triste recorde no continente, com um corte nas redes sociais do país por 470 dias consecutivos, que privou os jornalistas e os cidadãos de um meio de comunicação hoje fundamental.
Um responsabilidade política histórica
Enquanto o ciberespaço da informação está em plena mutação, a mídia tradicional, 30 anos após a liberalização do setor, ainda tem dificuldade em superar ditames políticos e econômicos. Em quase todos os países africanos, os meios de comunicação estatais estão longe de ter completado sua transformação. Permanecem sob o controle do governo, contentando-se, geralmente, em transmitir a comunicação do governo sem refletir a diversidade de opiniões em sua sociedade. A proliferação de órgãos de imprensa dos quais podem se orgulhar um número crescente de países oferece apenas um pluralismo de fachada, a maioria dos meios de comunicação permanecendo fortemente controlada direta ou indiretamente por círculos próximos ao governo, à oposição ou a certos interesses econômicos.
O advento de uma imprensa independente de qualidade não pode ser alcançado sem uma forte escolha política. O mesmo vale para o jornalismo investigativo, que progride, ainda que permaneça um sacerdócio para aqueles que se arriscam nele, inclusive nos países entre os mais bem classificados do continente, como a Namíbia (23a), o primeiro país africano desta edição. As revelações sobre a alocação questionável de cotas de pesca levaram a um aumento de ataques verbais pelas mais altas autoridades políticas e à demissão de um jornalista da agência de notícias oficial.
No outro extremo do Ranking, a Eritreia (178a), principal prisão para jornalistas na África Subsaariana, com 11 profissionais da informação encarcerados dos quais nada se sabe há anos, e o Djibuti (176a, - 3) permanecem buracos negros de informação independente. A repressão a vozes dissidentes é tão forte em Ruanda (155a) que a autocensura é a regra no país. Tanzânia e Burundi (160a, - 1), onde quatro jornalistas foram condenados à prisão pelo simples fato de quererem cobrir um assunto que as autoridades desejavam abafar, estão deslizando perigosamente em direção ao campo de países onde informações críticas não têm mais lugar. Outros, como Benin, Moçambique (104a, - 1) ou Comores (75a, - 19), onde os ataques à liberdade de imprensa se multiplicaram num contexto de eleições contestadas, adotaram recentemente uma atitude preocupante.
Em um momento de proliferação da desinformação, a próxima década será de escolhas históricas para o futuro do jornalismo na África. As sociedades para as quais a verdade factual e o debate aberto de ideias constituem valores fundamentais devem fornecer apoio forte e inequívoco aos jornalistas, assegurando-lhes um arcabouço jurídico protetor, apoio financeiro que não se baseie na proximidade política em um setor no qual a precariedade já torna seus atores muito vulneráveis a influências, e promovendo ofertas de treinamento, ainda muito raras, antes e durante as carreiras dos jornalistas.