Às vésperas das eleições presidencial e parlamentares de 6 de outubro de 2002, Repórteres sem Fronteiras lança um apelo aos candidatos para que lutem contra a impunidade de que desfrutam os assassinos de jornalistas no Brasil. Baseando suas conclusões em uma missão de investigação recentemente realizada no Estado da Bahia, a organização internacional de defesa da liberdade de imprensa pede que os candidatos se comprometam a adotar um projeto de reforma do poder judiciário, que atribuirá os inquéritos sobre assassinatos de jornalistas à Polícia Federal.
No Brasil, Tim Lopes, da TV Globo, e Sávio Brandão, do jornal Folha do Estado, mortos nos dias 2 de junho e 30 de setembro de 2002, respectivamente, são apenas os últimos de uma lista de 15 jornalistas assassinados no país desde 1991. Para compreender melhor por que quase todos esses assassinatos permaneceram impunes, Repórteres sem Fronteiras enviou um representante à Bahia, estado onde dez jornalistas foram assassinados nos anos 90. A missão foi realizada em colaboração com a Rede Damoclès, associação de luta contra a impunidade e ramificação judiciária de Repórteres sem Fronteiras.
Intitulado "Bahia: uma cultura de impunidade?", o relatório faz uma avaliação do inquérito sobre o assassinato de Manuel Leal de Oliveira (foto). Diretor do semanário A Região, editado em Itabuna, Leal de Oliveira foi morto em 14 de janeiro de 1998, depois de publicar denúncias contra o prefeito do município, Fernando Gomes, aliado político de Antonio Carlos Magalhães, chefe do Partido da Frente Liberal (PFL, de direita) e ex-governador do Estado.
"O caso Manoel Leal de Oliveira evidencia, sobretudo, os limites de um sistema que confia a um órgão que trabalha sob a tutela de políticos locais, neste caso a Polícia Civil da Bahia, o inquérito sobre o assassinato de um jornalista que havia justamente denunciado um desses políticos", conclui o relatório de Repórteres sem Fronteiras e da Rede Damoclès.
As duas organizações finalizam o relatório com um questionamento: "A ausência de condenações nos nove outros casos de assassinatos de jornalistas na Bahia nos anos 90 conduz à reflexão sobre a existência de um sistema político autocrático, graças ao qual os políticos eleitos do partido que detém o poder poderiam, sem grandes dificuldades, "liquidar" os jornalistas que ousassem revelar suas malversações financeiras".
De acordo com o relatório, "os primeiros meses do inquérito, sob a responsabilidade da Polícia Civil da Bahia, constituem um verdadeiro símbolo em matéria de impunidade (…). Em setembro de 1998, o caso foi "arquivado", sem que nenhum suspeito tenha sido preso e sem que Fernando Gomes tenha sequer prestado depoimento". Em maio de 2000, o processo judiciário foi reaberto, graças a revelações publicadas no cotidiano regional A Tarde. Apesar de novas investigações terem sido solicitadas, o inquérito registrou um progresso quase insignificante.
Em suas recomendações, as duas organizações pedem aos candidatos à eleição presidencial e às eleições senatoriais que se comprometam a adotar um projeto de modificação da Constituição que preconiza uma reforma do poder judiciário. Esse projeto inclui a "federalização" da justiça em relação a todo e qualquer crime e violação grave dos direitos humanos, inclusive o assassinato de jornalistas, e permitirá que esse tipo de inquérito seja entregue à Polícia Federal. Adotado em primeira votação pela Câmara de Deputados de Brasília, o texto, agora, deverá ser aprovado pelo Senado.
Além disso, diante da inculpação de três pessoas nesse processo, as organizações advertem que "se os suspeitos não forem julgados ou se forem absolvidos,
(elas) interporão recurso perante o Conselho da Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) do Ministério da Justiça, exercendo um direito que lhes cabe, a fim de solicitar que o inquérito sobre o assassinato do jornalista seja retomado, desde o início, pela Polícia Federal".
Por fim, Repórteres sem Fronteiras e a Rede Damoclès formulam uma série de recomendações ao juiz Marcos Bandeira, encarregado do dossiê, a Katia Alves, Secretária de Segurança Pública da Bahia, e à Polícia Civil.
Tim Lopes, da Rede Globo de Televisão, foi assassinado na madrugada do dia 3 de junho de 2002, quando preparava uma reportagem em Vila Cruzeiro, favela de um subúrbio do Rio de Janeiro, sobre a prostituição de menores organizada por traficantes de droga. Em 30 de setembro, Sávio Brandão, proprietário do jornal Folha do Estado, de Mato Grosso, foi assassinado por dois homens que estavam em uma motocicleta. Sávio Brandão, cujo jornal vinha denunciando um circuito ilegal de máquinas caça-níqueis, era igualmente proprietário de uma empresa de construção civil.
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